Por Adrián Aguilera
Membro fundador do Portal NDEV Brasil
Especialista em Cinemas e Entretenimento na América Latina

Como responsável pelo setor de expansão e planejamento da Cinépolis, constantemente recebo questionamentos de empresários, clientes, amigos e familiares, cujo tema e interesse sempre se repete. É perceptível que existem informações e dúvidas comuns do setor de cinemas que a maioria das pessoas com quem converso gostaria de saber. As perguntas frequentes são muito simples, especialmente, a curiosidade de encontrar a resposta de um tema que tanto lhes intriga.

Nesta ocasião, respondo as três principais perguntas que recebo sobre o futuro do cinema. São perguntas que já respondi diversas vezes em reuniões de trabalho ou conversas informais, mas coloco em cada uma delas uma resposta um pouco mais abrangente para melhor compreensão do contexto.

1º Pergunta: O cinema vai acabar?

Não, mas com certeza deverá se transformar. Desde que o cinematógrafo foi criado pelos irmãos Lumière, o setor já passou por diversas alterações sejam elas tecnológicas, estruturais e de conteúdo.  O cinema é um negócio audiovisual com mais de cem anos de trajetória que convive sempre com constante ameaças como a invenção do rádio, televisão e até serviços recentes de conteúdo pela internet e também o mercado de pirataria e mesmo assim, não tem sido superado por todas estas inovações.

A experiência do cliente é um fator essencial. Atentas a este conceito é que as empresas de cinema deverão continuar investindo e inovando para manter a preferência do público sobre outras plataformas e atividades de lazer.

Num futuro próximo, tudo indica que o cinema integre-se com outras plataformas de conteúdo existentes ou que ainda serão criadas, inclusive com recursos de interatividade com a participação dos consumidores antes, durante e pós sessão. Hoje, já podemos experimentar salas com som imersivo, telas gigantes, salas 4D com cadeira com movimentos e efeitos especiais, nova geração de projetores e inclusive telas com painéis tipo LED. Agora mais do que nunca, o cinema e a tecnologia são e continuarão aliados a inovação.

As grandes produtoras de cinema independente também estão fazendo a sua parte, não só investindo em melhores histórias, efeitos e produções como também diversificando a origem dos conteúdos; mantendo as boas histórias e criando novas sagas – não confundamos a disponibilidade de títulos com a programação que existe no cinema pois, os drivers de negócio são muito diferentes para criar um filme ou para exibi-ló num determinado cinema.

2º pergunta: Agora falando sério: não será a Netflix quem vai acabar com o cinema mesmo?

R: Reformulamos a pergunta como: “os serviços de streaming e video-on-demand (VOD) serão quem definitivamente acabarão com o cinema?”  Não podemos focar só no maior e mais popular serviço de streaming para dizer que ele é a única ameaça. Atualmente, existe no mercado brasileiro mais de cinco opções de serviços tipo Netflix, com alto nível de investimento em conteúdos e muitos mais disponíveis em mercados como Estados Unidos ou Europa. Minha visão é que todos estes serviços serão complementares a oferta de cinema e não acabar com ele. Vejam três argumentos que sustentam a tese:

  1. Embora os serviços de streaming permitam ao cliente assistir o conteúdo em qualquer momento e aparelho, seja celular, tablet, televisão, computador, eles não são conteúdos exibidos de forma comercial na telona – parte imprescindível de denominar como cinema. Assistir um conteúdo via streaming é mais uma questão de conveniência ou preferência por um determinado conteúdo. O espectador não precisa de um grande planejamento e sequer sair de casa, às vezes nem conexão à internet. Voltamos então ao tema da experiência do consumidor. Saída ao cinema faz parte de um programa social, de encontros entre pessoas, manutenção das relações sociais. Rir ou chorar em conjunto com a plateia em uma sessão é contagiante, sair de casa, passear um pouco, estender o programa de ir ao cinema com um jantar ou uma cerveja no bar. Então, definitivamente, entretenimento fora de casa – cinema – não deixará de existir pois, é uma atividade que o ser humano precisa para como uma atividade de lazer e prazer social.
  2. Os serviços VOD e streamings, até agora, tem se especializado em séries e não em filmes. As grandes produtoras americanas e algumas europeias não estão totalmente dispostas a lançar o filme ao mesmo tempo no cinema e nas plataformas baseadas pela internet. A razão é simples: o cinema é o formato no qual pode se investir em mídia e divulgação massiva, os cinemas têm capacidade instalada na qual maior número pode ser impactado em menor quantidade de tempo e assim, maior receita de bilheterias pode ser acumulada. Produção de filmes também é um negócio que precisa ter seu retorno o mais rápido possível e a assinatura mensal de um serviço, nem que sejam milhões de assinaturas, não garante este retorno rapidamente. Exclusividade do filme para lançamento em cinema é muito prezado em toda a indústria – poder ser ele sim, odeal breaker do negócio, não só para os exibidores como também de toda a cadeia audiovisual. Não em vão, ainda em 2018  estreou o filme Vingadores, com a maior bilheteria da história, tanto no Brasil, como no mundo.
  3. Para qualquer negócio e para o consumidor, custo será sempre um tema fundamental. O preço médio do cinema em 2018 está em torno de R$ 16,00 por pessoa, não precisamos somar os consumos de alimentação e outros atrelados à saída de casa, que certamente incrementam o custo total da experiência. Mas se você saiu de casa com objetivo de ver um determinado filme, algum que desperto a sua atenção ou dos seus amigos e familiares. A assinatura de um serviço via streaming tem maior variedade de conteúdos que o cinema, conta com catálogos online, diversos gêneros e inclusive histórico de produção antigas. Cinema ao máximo terá cinco ou seis filmes em cartaz.

Ok. Você quer assistir a série que tanto estão falando e justamente está disponível na assinatura que você conta, perfeito, poderá assistir esta série e muitos outros conteúdos disponíveis. Mas, e se você quiser assistir um conteúdo que não está disponível neste serviço que você tem contratado? Talvez a outra série de moda que você quer assistir somente está disponível no próprio canal e/ou serviço streaming que a outra produtora criou. Será que você assinará então os dois serviços? Cancelar a assinatura do primeiro para assinar o segundo e depois voltar? O ambiente de negócios também é competitividade e concorrência. O cinema tem muito disso e streaming talvez mais ainda. No setor de conteúdos via internet há muitas outras empresas e indivíduos entrando, criando suas séries e programas com custos de produção muito altos e também muito baixos, a via de penetração mais simples: é subir na internet.

O tempo que temos disponível para assistir algum conteúdo também não é ilimitado e a concorrência pela nossa atenção e tempo está cada vez mais acirrada. O consumidor terá muitas possibilidades na hora de decidir qual serviço ou conteúdo via internet será de sua preferência para assinar e com isto, talvez no final, a conta seja mais cara do que a saída ao cinema. Virão muitas coisas novas, atores de cinema interpretarão personagens para  televisão e séries, atores de séries irão para cinema, as preferências do consumidor serão atendidas e superproduções de diversas empresas estarão disponíveis em serviços independentes. Tudo até que uma grande iniciativa seja criada, e amplamente avaliada em termos de rentabilidade, que se coloque como uma única plataforma de distribuição de conteúdos via internet. Ao final cinema é assim, infinita variedade de filme de vários gêneros e produtoras.

3º Pergunta: E no Brasil, qual será o futuro do cinema?

Esta pergunta é fácil de responder, especialmente, se compararmos o setor de cinemas no Brasil com outros países e não necessariamente, os mais desenvolvidos. Em futuros artigos poderei explicar com maiores detalhe sobre a realidade que os consumidores e empresas de cinema enfrentam no Brasil para poder ter mais salas e avanços de tecnologias, mas neste momento, bastam três métricas para indicar que no Brasil, cinema é ainda um negócio com futuro:

Frequência

Ingressos x habitante

Saturação

Salas x habitante

Total de ingressos de cinema vendidos no ano em todo o país divido pelo número de habitantes Total de habitantes no país dividido pelo número de salas de cinema
Estados Unidos 3,51 Estados Unidos 8.075
México 2,82 México 18.321
Colômbia 1,27 Colômbia 46.600
Argentina 1,08 Argentina 48.230
Brasil 0,87 Brasil 63.025

Fonte: Informação de 2017 pela Screen Cast

As comparações acima nos indicam o amplo espaço que existe no Brasil para a indústria de cinema. É verdade que os serviços de streaming crescem fortemente, mas também a bilheteria total do Brasil tem crescido ano a ano desde 2009, não só pelos cinemas existentes como também pelas novas aberturas realizadas em todo este período.

Peço que vocês leitores reflitam sobre os argumentos citados acima, sem dúvida, alguns deles discutíveis pois, cada indivíduo possui diferentes interesses, capacidade financeira e possibilidades para obter maior ou menor consumo de entretenimento. O certo é que o mercado de cinema, como programa e fonte de entretenimento, parece ter vantagens referente às mudanças tecnológicas e de consumo. Uma coisa é certa. Ainda no Brasil, existe um espaço grande a ser ocupado por esta indústria.

Por Adrián Aguilera
Membro fundador do Portal NDEV Brasil
Especialista em Cinemas e Entretenimento na América Latina

2 COMENTÁRIOS

  1. Tem um erro matemático na tabela. Não é número de salas divido pelo número de habitantes. É o contrário. O número de habitantes pelas salas.

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