Por Adrián Aguilera
Especialista em Cinemas e Entretenimento na América Latina – Cinépolis

Poucos imaginariam um roteiro similar ao qual nos encontramos. Como li em uma frase recente: 2020. Escrito por Stephen King e filmado por Quentin Tarantino. Um terror de arrepiar, com inúmeras cenas dramáticas, brigas e mortes. Nem uma envolvente trilha sonora de filme Tarantino amenizaria o momento.

A filmagem parecia se limitar a uma região da China. Mas está se tornando a maior revolução que o ser humano enfrentou em tão curto prazo. Não é que ainda no começo de março falávamos em metas corporativas?

Subitamente, o cenário mudou. Mantêm-se os atores, mas o contexto e os diálogos se transformaram tão velozmente, que inclusive os protagonistas se perderam na atuação.

Pois é. O ano de 2020 nos abre uma janela para tratar o mundo de forma diferente. Tendência de maior valorização de ecossistemas, das relações humanas, da busca do equilíbrio e do simples, de propósitos e de menos trabalho, ou, pelo menos, do que hoje definimos como “trabalho”.

Nesta pandemia, pouquíssimos setores e indústrias permaneceram imunes. Atividades cuja base é a reunião de pessoas, entretenimento e lazer em geral, estão dentre as mais castigadas. Evitar aglomerações, falta de confiança do cliente, limitação de capacidade, cuidados de higiene… E a lista de desafios segue. Não sabemos quantas empresas do setor vão desaparecer, mas as atividades que desempenham podem continuar a existir de alguma forma e, inclusive, se valorizar.

O entretenimento é passar tempo ocupado, se satisfazendo, suscitando interesse próprio ou de outros, se divertindo. De outra forma, seria um “entediamento”. Neste período de lock down, muitas pessoas buscaram e reviveram formas de passatempo – a leitura, os jogos de mesa, exercício, as artes, as habilidades culinárias e manuais, escutar ou tocar música, assistir a algum filme em cinema drive-in, etc. Encontros virtuais grupais de amigos ou família e, inclusive, a arrumação do quarto da bagunça.

É entediante passar horas trabalhando em frente ao computador em casa. Ao final do dia, a salvação. O prêmio de sempre. O poderoso e absorvente: televisor. Assistir qualquer tipo de conteúdo via streaming se converte na conveniente prática de encerramento do dia.

Se nos atentarmos ao setor audiovisual, enquanto os cinemas e teatros estão fechados, as empresas e plataformas de conteúdos via streaming vivem seu melhor momento. Pegaram carona no lock down do mundo todo para crescerem como nunca. Obtiveram assinantes e faturamento em grande escala. Como em toda situação, o que é ruim para um, pode ser oportunidade para outro.

Mas o confinamento se relaxa e, eventualmente, acaba. Os seres humanos entendem que ser humano não é só a satisfação individual. Também significa exposição ao meio ambiente, socialização, coletividade, experimentação. E após a liberação? Voltando às ruas, tendo a possibilidade de sair de casa. Retornando parcialmente às rotinas que sempre fizeram parte das nossas vidas – o que e como faremos para nos divertirmos?

As atividades de entretenimento, como muitas outras, podem ter a sua experiência valorizada ou minimizada. Importa a renda? Sim, mas e agora? Será melhor pedir uma pizza ou prepará-la em casa? Será mais gostoso ver o capítulo da série no televisor ou assistir a um filme que estreia na telona do cinema? Vale viajar ao exterior para conhecer um parque de diversões ou melhor dirigir e curtir a pousada no meio do mato? Atividades sem custo serão mais valorizadas?

Em muitas ocasiões, a base do entretenimento é a experiência. Sabemos disso. Quem gosta de alguma atividade ou experiência, tentará alcançá-la, estará disposto a pagar, inclusive, um pouco a mais por ela.

Falamos antes de streaming, certo? Pois há algumas semanas houve notícias e boatos na impresa de que algumas empresas como Amazon e Netflix estariam interessadas em comprar grandes cadeias de cinemas nos Estados Unidos. “What?”

Aqueles gigantes da tecnologia cujos negócios não param de crescer, cujos modelos de negócio se baseiam em streaming e não no contato físico, agora querem ser donos de cinemas?

Investir em salas com milhares de poltronas, com telas e projetores a distância, com colaboradores preparando e vendendo pipoca? (aliás, já pensou se seriam pessoas ou robôs?)

É isso mesmo! Esses gigantes da tecnologia tão bem-sucedidos no online, parecem dar sinais de que devem também oferecer aquilo que hoje não oferecem: experiência onlife. A praticidade e o conteúdo que oferecem não são suficientes. Com cinemas, o negócio deles poderá se horizontalizar, estimulando as pessoas a terem experiência fora de casa, ambiente coletivo, um programa social.

Não entrarei em detalhes, mas é verdade que, em semanas recentes, as ações das grandes empresas de cinema nos Estados Unidos caíram para seu pior nível na história. É aí a oportunidade, o timing. Lembra do “o que é ruim para um, pode ser oportunidade para outro?” As empresas de streaming já vinham percebendo sua falta de complementaridade, já que careciam de contato e experiência física.

Os cinemas ainda não foram comprados e nenhuma transação oficializada, mas vale lembrar o famoso ditado de que as crises geram oportunidades. Entretanto, têm que ser abraçadas, senão, viram passado não escrito.

Em termos gerais, acredito que o entretenimento mudará, sim. Mas não vejo uma migração radical. A tecnologia não poderá replicar em casa tudo que as pessoas têm fora dela. É possível que não vejamos parques, salas de concertos e museus continuamente lotados, mas vejo um equilíbrio no que as pessoas buscarão para ser divertirem. Mais passeios pela cidade, menos viagens internacionais, mais jantares entre amigos em casa, menos saídas para bares e baladas. Cada geração e bolso terá sua nova preferência. Deixemos um pouco de lado o celular, que continuará satisfazendo o entretenimento individual imediato e vamos, aos poucos, abrir novamente o espaço para a vida que pulsará lá fora.

Se parece que estamos no teórico filme do Stephen King e Tarantino, acreditemos que o ano ainda pode terminar como aquelas histórias de superação, resiliência e adaptação dos seres humanos a um novo mundo que está nascendo. Todos nós queremos que esta situação passe e seja uma etapa curta da história que inspire grandes mudanças para o bem da humanidade e do meio ambiente.

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